12 de abr. de 2007

vice-versa

Eu sou uma pessoa feliz.
Tão feliz que chego a ser irritante. Juro.
Daquelas pessoas que acordam cedo e dão bom dia para o sol, para os passarinhos e para os duendes de gesso que enfeitam o jardim.
O problema é que tão rápido quanto eu fico feliz, de repente estou triste.
E não precisa acontecer nada grave não. Basta uma besteirinha de nada.
Uma pipoca queimada no fundo do saco e pronto. Viro a pessoa mais triste do mundo. Mudo de humor como quem muda de lado na hora de dormir.
(Não sei vocês, mas eu mudo muito.).
Hoje à noite tenho uma festa pra ir. Não é uma festa qualquer.
É de uma amiga de infância. Ta bom, ta bom, de um amor de infância.
Acho que faz uns vinte anos que não vejo a Natália.
Mas tenho certeza que ela continua com aquela mania de deixar um olho mais fechado que o outro. Meu Deus, como isso me enlouquecia.
Enquanto as pessoas normais estão agora escolhendo a roupa para usar,
eu estou aqui escolhendo o humor para ir.
Sim, porque isso muda todo o curso da história. Como?
Vamos imaginar que eu resolva ir feliz para a festa.
Ótimo. Chego sozinho, porque todos os meus amigos saíram com as namoradas. Melhor assim, a Natália vai ver que eu não preciso de ninguém para ser feliz.
Vai me achar independente e resolvido, eu sou o epicentro do meu mundo.
Logo na entrada, dou de cara com a Ana Lúcia. Ela me amava na época do colégio e eu nunca dei muita bola. Puxo um pouco de conversa.
É, a Ana Lúcia mudou. Ficou mais simpática, mais inteligente e com os seios maiores. Ah, a maturidade. Ando um pouco entre os convidados e vejo a Natália. A Natália e um cara com quase dois metros de altura. Eles parecem felizes juntos, que bom. Acima de tudo, sou uma pessoa romântica. Não fico com um pingo de ciúmes. Eu estou feliz, lembra?
Vou até o bar e peço uma cerveja, que é a bebida mais indicada para quem está feliz. E eu estou. Excessivamente feliz. Fico uns 10 minutos observando a Ana Lúcia, com grande destaque para o decote. Ela percebe e vem falar comigo.
Bastam quinze minutos de conversa e já tenho certeza que ela é o amor da minha vida. Ah, como é bom estar feliz. Hora de cantar parabéns. Todo mundo feliz. Primeiro pedaço de bolo. Discurso emocionado. Mais desejos de felicidade. Mais cerveja. Mais de três horas da manhã. Melhor eu ir embora.
Quando vou chegando na porta, a Ana Lúcia me aborda de surpresa e pede uma carona. Não preciso dizer que a noite não termina nem na minha casa, nem na casa dela. Ai, que felicidade.
Agora vamos imaginar o contrário. E que eu resolva ir triste para festa.
Chego sozinho e morrendo de vergonha. A festa inteira vai pensar que eu continuo encalhado. Bom, e continuo mesmo. Entro me encostando pelos cantos da parede e quando menos espero dou de cara com a Ana Lúcia. Logo ela.
Esse assunto merece um parágrafo à parte. A Ana Lúcia é um dos maiores traumas de toda a minha vida. Quando a gente tinha dez anos, ela me puxou para uma sala vazia do colégio e pediu que eu mostrasse meu pintinho. Fiquei tão desesperado que sai correndo pelo colégio, gritando feito um louco. Aquela menina ia ser uma senhora sacana, sem sombra de dúvidas.
Resumindo, não tinha jeito pior de se começar uma noite. Vou andando por entre os convidados com a cabeça baixa para não encontrar mais ninguém. O tempo inteiro tenho a sensação de estar ouvindo aquelas risadinhas imbecis de seriado americano. Juro escutar elas toda vez que acontece algo ridículo comigo.
De longe, vejo a Natália com um homem. Um homem não, o Marcelo.
Logo ele, o cara mais nojento do colégio. Ele botava o chiclete embaixo da mesa para poder continuar mascando depois da aula.
O amor da minha vida, com o amor da vida dela, que por sinal, não sou eu.
Minha vontade é de abrir o bocão ali mesmo e não parar mais de chorar.
Em seguida começam a acontecer aquela sucessão de coisas deprimentes, que só poderiam acontecer numa festa de aniversário. Cachorro quente enrolado em papel alumínio. Copo descartável que se quebra na mão. E o pior de tudo: a empadinha. Sério, não existe coisa mais pra baixo nesse planeta do que empadinha de aniversário. Se a janela tivesse aberta, eu pulava. Resolvo ir até o bar e peço um café, que é a bebida mais indicada para quem está em depressão.
Fico olhando para o vazio até que percebo alguém se aproximando.
Meu Deus, é a Ana Lúcia. Tenho certeza que ela vai pedir para ver meu pintinho.
O desespero vai batendo. Forte. Ela vem com a cara mais pederasta do mundo.
Seus olhos estão fixo no meu colo. Boto a xícara em cima para criar uma barreira entre os olhos dela e meu pintinho. Não adianta. Ela está decidida. E ta bem perto.
Dou um pulo da cadeira e saio correndo feito louco pelo apartamento. Atropelo uns três no meio do caminho. Entro no elevador e vejo uma placa dizendo “Sorria, você está sendo filmado”. Começo a chorar desesperadamente.
Do outro lado da câmera, sei que estão ouvindo aquela risadinha imbecil.