12 de abr. de 2007

homem na cozinha

O que tem de errado nesse título?
Acertou quem disse “tudo”.
Tem coisas que simplesmente não combinam.
Homem e cozinha são uma delas.
Homem só devia entrar na cozinha para pegar cerveja na geladeira.
Ou transar em cima da pia.
Desde os tempos pré-históricos, o homem das cavernas acordava de manhã cedo, pegava seu tacape e saía para caçar. Mas quando voltava no final do dia, era a mulher das cavernas quem ia cozinhar. Não sei porque estão querendo mudar a própria história da humanidade.
Acontece que logo hoje.
Logo hoje que eu chamei meu chefe e a esposa aqui para casa.
Logo hoje que eu prometi um jantar daqueles.
Logo hoje que eu ia pedir uma promoção na minha carreira.
Logo hoje, a cozinheira faltou.
Que tragédia. Preciso pensar. Por que eu mesmo não faço o jantar?
Porque não, é óbvio.
Eu ia acabar errando tudo. Ou até causando um incêndio no prédio inteiro.
Se bem que se eu não tiver um jantar pronto daqui pras oito da noite, vou estar queimado do mesmo jeito.
Avaliando melhor a situação:
Já que eu consegui montar aquela esteira elétrica só lendo o manual,
também posso fazer um prato só vendo a receita. Não é mesmo?
Procuro nos cadernos de receita que minha mãe deixou de herança para mim.
“Pato ao Molho de Gengibre e Pimenta Verde”. Hum, parece bom.
Diz aqui que era a refeição mais servida nos banquetes do Palácio de Versalhes.
Minha mãe realmente se importava com isso.
Pois bem, um jantar digno da alta corte francesa.
Vamos a receita: 1 pato. 3 colheres de pimenta verde. 2 cálices de vinagre balsâmico. 2 colheres de gengibre ralado. 4 pitadas de açafrão.
Meu Deus, isso está mais pra alquimia do que pra culinária.
O pato ta aqui, mas o que eu faço agora?
“Colocar o pato numa assadeira com as patas amarradas para cima.”
Ah não! É covardia.Onde já se viu. Fazer uma coisa dessas com o pato?
Ter que ir pro forno com as patas pra cima. Eu não posso fazer isso com o pobrezinho. Justo eu que sou tão fã do Donald.
Nada disso. Vai ser assado de pé. Com a cabeça erguida e o peito estufado.
Se duvidar, vou providenciar até uma salva de tiros.
Mas se meu chefe não gostar de pato? Não é todo mundo que gosta.
Ou pior, se a mulher dele pertencer a alguma instituição protetora dos animais?
Aí minha promoção já era.
Tenho que parar de pensar nessas coisas e me concentrar na receita.
“Colocar sal a gosto”.
Mas a gosto de quem? Meu? Dos convidados? Ou do pato?
Será que vou ser demitido se a comida não ficar boa?
É melhor acabar com essa frescura e fazer logo esse pato.
É que eu preciso ser sincero.
Tem uma coisa que eu to sentindo desde que comecei a ler a receita.
E não posso mais guardar só pra mim.
Eu to com pena do pato. Pena mesmo.
Se ele tivesse fatiado ou cortado em quadradinhos até ia.
Mas assim inteirinho, não dá.
Começo a visualizar o pobre coitado e a pensar na vida que ele levava.
Vai ver que era um infeliz, o próprio patinho feio.
Não era chamado pras festas do colégio.
Estava sempre chorando pelos cantos.
Era depressivo e gostava de ouvir Radiohead.
Todos os seus relacionamentos amorosos davam errado.
Pobre pato. Eu sei bem o que você está sentindo.
Sozinho, jogado ao mundo.
Uma existência quase insignificante.
Agora, pela primeira vez eu sinto que não estou só.
Eu tenho você e você me tem.
Din-Don. Din-Don. A campainha toca.
Aos prantos eu vou abrir a porta.
É meu chefe e a esposa.
Segurando o pato nos braços, eu peço minha demissão.