23 de jan. de 2008

um chinelo velho, um pé cansado.

Eu não consigo escrever sobre algumas coisas.
Escrever sobre coisas feias, por exemplo.
Fico com a sensação de que, por pior que seja a palavra,
Ela nunca é ruim o suficiente. Vai entender.
Falar sobre coisas bonitas é tarefa mais fácil.
Basta um “choque entre o azul e o cacho de acácias”
e pronto. Você já sabe que a dita cuja é linda.
Mas como alguém conseguiria descrever aquela mulher
que vi no supermercado na última noite de terça-feira?
A história do “choque” já seria um bom começo,
mas nesse caso seria um choque entre dois caminhões
carregados de rabanete, beterraba e fruta-pão.
Coisa triste de se ver mesmo.
Imediatamente, me veio a pergunta:
Alguém teria coragem de beijar essa mulher?
Quatro dias depois, enquanto dirigia de volta para casa,
vi um homem atravessando a rua. O sujeito era tão feio,
mas tão feio que se eu tivesse passado por cima teria feito
um enorme favor a ele e a toda a humanidade.
Foi quando pensei sozinho: taí, esse cara beijaria.
E ainda ia achar que estava fazendo o melhor negócio do mundo.
A conclusão que tirei disso tudo é um tanto óbvia:
Pra cada pessoa no mundo, existem seus correspondentes.
Coloquei “correspondentes” no plural, porque não sou muito adepto
dessa história de alma gêmea. Acredito mais na combinação de gostos.
Gente estranha gosta de gente estranha, gente alegre gosta
de gente alegre, gente bonita gosta de gente bonita.
(com exceção de gente bonita que gosta de gente feia milionária).
E é exatamente essa diversidade de gostos que move a economia,
que deixa o mundo mais intrigante, que faz o matuto lá
do interior de Pernambuco achar sua vizinha sem dentes
mais bonita que a Charlize Theron.
Eu odeio tutano de boi. Mas tenho certeza que existem por aí
milhares de pessoas que se matariam por um prato de tutano.
Então se você se acha uma pessoa sem graça, tímida
e ruim em matemática fique sabendo que milhares de seres humanos
gostam de pessoas sem graça, tímidas e ruins em matemática.
E assim ninguém nunca vai ser só nesse mundo.
Porque afinal existe gosto pra tudo.
Até mesmo praquela mulher do supermercado.