21 de nov. de 2008

Infelizmente, uma história real

Assim que vi Tâmara, 5 anos de idade, tentando vestir sua boneca com uma saia que claramente não cabia nela, eu sabia que levaria meses para esquecer aquela cena. Fazer uma visita à Casa de Apoio à Criança com Câncer tinha um significado todo especial pra mim. Daquele dia em diante, eu estava disposto a me tornar uma pessoa, digamos assim, com mais compaixão na alma. Sabia que o mundo precisava dessas coisas. O que eu não sabia era que eu estava totalmente despreparado para isso. Enquanto eu estava ali observando a menina, aproximou-se de mim uma voluntária da Casa, que percebendo minha curiosidade pela criança, contou-me sem fazer rodeios que os médicos não deram mais do que três meses de vida para Tâmara. E eu, que sempre acreditei que as pessoas só morriam depois de terem osteoporose ou implantarem uma ponte de safena, fique parado sem reação nenhuma. À medida que ia sentindo meus olhos se encherem de lágrimas, pensava em como a vida era traiçoeira para algumas pessoas. Era injusto demais imaginar que aquela menina, de apenas 5 anos de idade iria partir dessa vida sem nunca se preocupar com uma espinha que nasceu no seu rosto. Nunca iria bater um carro ou puxar a perninha do 0 pra ele virar um 9 no boletim. Não iria saber o que é amar duas pessoas ao mesmo tempo. O que é tomar a Pílula do dia seguinte ou fazer o teste de gravidez na farmácia, morrendo de ansiedade. Não iria ter um jantar romântico. Não iria ter um celular para colocar no silencioso quando entrasse no cinema. Nem iria ganhar apelidos na escola como Cabeção, Olivia Palito, Mosquito, Maçaneta. Não iria ter miopia, astigmatismo, nem muito menos catapora. Não iria ver duas copas do mundo. Não iria saber que 17:30 é a hora mais triste do planeta, principalmente quando é um domingo. Não iria aprender a traduzir a letra de “Yesterday” na aula de inglês, nem descobrir que Je t’aime é “Eu te amo” em francês. Não iria fazer uma maquete de uma estação de tratamento de água para a feira de ciências. Não iria saber que logaritmos é um dos assuntos mais chatos da matemática. Não iria ter medo de pouso e de decolagem, nem muito menos iria odiar barrinhas de cereais. Tâmara nunca iria saber o que realmente significam cinco anos. Na cabeça de uma criança, cinco anos talvez sejam muito tempo. Mas foi pouco para quem viu seu sorriso, seus olhos e seu jeitinho de dizer “posso ir no banheiro?”. E apesar de tudo isso, apesar de toda a tristeza que eu sentia, Tâmara continuava ali sentada no banquinho, jurando que aquela saia vai conseguir entrar na sua boneca.