12 de abr. de 2007

clara e o peixe

Clara tem seis anos, cabelos pretos lisos e três unhas roídas em cada mão.
Ela entra em seu quarto sorridente, carregando um peixe roxo e amarelo dentro de um saco cheio d´água. Clara se aproxima da escrivaninha e despeja o peixinho para dentro do aquário. Deitada na sua cama ela passa horas observando o novo bichinho de estimação.
Na manhã seguinte, Clara abre os olhos e vê uma das cenas mais tristes de sua vida.
O peixinho, morto ali no chão, bem ao lado da sua cama.
A menina se ajoelha, tenta levantar o peixinho e começa a chorar desesperadamente. Talvez, aquela tenha sido a maior dor que Clara já sentiu.
Vestida de preto dos pés a cabeça, em luto pelo pequeno ser que se foi, Clara usa uma pequena caixa de fósforos para servir como túmulo. Ela pega uma folha de papel em branco e sai correndo para fora de casa.
Passa uma rua, passa outra. Passa uma fazenda, passa outra.
E finalmente, chega num pequeno riacho que de tão estreito dava para atravessar num pulo. Mas ela não faz isso. Se ajoelha e dobra a folha de papel até construir um barquinho.
Clara coloca a caixinha de fósforos dentro da pequena embarcação, que sai navegando mundo a fora. Como alguém que vê seu ente querido partir, Clara acena com um lenço, enquanto as lágrimas vão escorrendo pelo rosto.

Clara entra saltitante no seu quarto, trazendo um peixinho lindo. Azul e amarelo. Enquanto coloca o bichinho dentro do aquário, Clara observa extasiada cada detalhe do seu novo companheiro. Ela fica horas assim, até que sem agüentar mais, deita e dorme.
Ao acordar pela manhã, Clara se desespera. Seu peixinho, coitado, desfalecido no chão do quarto. A menina sente seu coração ficar bem pequeno e como se não agüentasse o peso de tanto sofrimento, Clara cai no chão. Em sua cabeça, surge a pergunta “Por quê?”.
Na cozinha, Clara olha atentamente para o forno onde vê o corpo do pobre peixinho ser cremado pelas chamas. Sua expressão revela tanto sofrimento que fica difícil acreditar que ela só tenha seis anos. Clara retira as cinzas do forno e as leva até o jardim de sua casa. Com a ajuda de um ventilador e de uma enorme extensão, a menina espalha as cinzas do finado peixe por todo o jardim. Enquanto faz isso, ela canta baixinho uma música triste que sua avó lhe ensinara.

Clara entra em seu quarto, carregando um saco d´água com um peixe cor de rosa. Ela se deita na cama e não consegue tirar os olhos do aquário. Aos poucos vai adormecendo até se entregar por completo ao sono. Pela manhã, a pequena menina abre os olhos lentamente com medo de olhar para o chão. Até que num surto de coragem e numa rápida olhada, ela percebe que seu peixe está nadando feliz no aquário. Clara resolve dormir mais um pouco. Após meia-hora, volta a abrir os olhos e constata que seu peixe não morreu.
Impaciente, Clara se vira para um lado e para outro da cama. Cobre a cabeça com o travesseiro. Tenta contar os carneirinhos.
Até que não agüentando mais, se levanta e vai em direção ao aquário.
Com as mãos, ela tira o peixinho do aquário e o coloca no chão, em cima do tapete.
Sem nenhuma expressão no rosto, Clara assiste ao peixinho se debater até a morte.