12 de abr. de 2007

Eu. Primeira pessoa do singular. E por mim, devia ser a única também.
Desde pequeno aprendi a gostar de ser só.
Lembro da minha mãe falando pras amigas “Olha que lindo o hipopótamo que ele fez com garrafas de refrigerante”. “E fez sozinho, viu?!”.
Daí pra frente, tive a impressão de que tudo que eu fizesse só, seria motivo de orgulho. Coloquei na minha cabeça que um coro de tenores jamais faria tanto sucesso quanto o Pavarotti.
No colégio quando a professora perguntava “O que você quer ser quando crescer?” Eu respondia “quero ser só”.
“Só o que?”, ela insistia. Viu, ninguém aceita o que é só.
Só é só e pronto. Não tem complemento.
Já reparou em comercial de whiskey?
Tem sempre um cara só, por volta dos cinqüenta anos, típico executivo de Wall Street, lendo um livro na varanda de sua casa no alto da colina.
Por que isso?
Porque é chique ser só.
Não dá pra imaginar um comercial de whiskey com um cara de 40 anos que chega em casa de ônibus e encontra toda sua família esperando na sala de jantar para comer o suflê de frango que sua mulher aprendeu a fazer na televisão.
Simplesmente não combina.
Nunca vou cometer nenhum crime.
Tenho medo de dividir uma cela com 50 pessoas.
Se eu fosse preso, pediria para cumprir a pena todinha na solitária.
Finalmente, realizei o grande sonho da minha vida.
Agora moro só.
Entro em casa e penso “esqueceram a luz acesa”, “tomaram meu iogurte”, “deixaram o chinelo de cabeça para baixo”. E só então me dou conta.
A única pessoa que pode ter feito tudo isso sou eu mesmo.
Menos mal, não vou me irritar comigo mesmo né?
É como disse o Erasmo. Não o da jovem guarda. O de Rotterdam. “Aquele que conhece a arte de viver consigo próprio, ignora o aborrecimento”. Esse cara sabia das coisas.
O telefone toca. Pra quem será?
Pra mim, é claro.
Não é muito melhor do que ficar dizendo “Pera que eu vou chamar ela” ou “Ainda não chegou do trabalho não”?
Morar só é descobrir o prazer das pequenas coisas.
O gás da cozinha leva uns cinco anos para acabar.
Você pode cortar as unhas sem se preocupar pra onde elas vão.
Você descobre que as porções que servem para duas pessoas, na realidade só servem para uma.
A única coisa que sinto falta é não ter uma panela de pressão.
Isso é o tipo de coisa que você só tem se morar com sua mãe ou com sua mulher.
Não adianta. Mas o resto eu tenho tudo.
Se preciso ouvir a voz de alguém, ligo a televisão. Aumento o som. Ou me encosto na parede para ouvir a conversa do vizinho.
Aposto que a branca de neve vivia bem melhor antes de chegar os sete anões.
O dia inteiro catando maçãs no sítio e falando sozinha no meio das árvores.
Tem coisa melhor que falar sozinho?
Posso falar a besteira que quiser e ninguém nunca vai me repreender.
Não sei porque essa mania de procurar ainda mais vidas em outros planetas.
Já não basta as que a gente tem aqui?
Sinceramente.
E se por um acaso você se sentir triste por estar só?
Simples, compra um peixe.
Agora só um.
Senão já vira multidão.