30 de out. de 2007

O Fim

- Você também está na fila pro banheiro?
- Infelizmente.
- Absurdo, né? Um único banheiro pra homens e mulheres. Coisas de Recife.
- Pelo menos, está andando rápido.
- Perdoe pelo mau jeito, mas a gente não se conhece?
- Acho difícil. É minha primeira vez na cidade.
- Espera, eu estou reconhecendo sim. Você é aquela...aquela atriz...puta merda, você é a Natalie Portman.
- Sou eu mesmo...mas olha, hoje eu estou num péssimo dia.
- Você não está entendendo, você é a mulher da minha vida. Não tem uma única noite em que eu não pense em você ou naquela peruca roxa que você usou em Closer. Você é fantástica, Naty. Posso te chamar assim?
- Você é louco, mas até que é divertido.
- Meu Deus, a Natalie Portman me achou divertido.
- Pena que a gente só tenha se conhecido no final da noite.
- Final? Final é apenas uma questão de ponto de vista.
- Han?!
- Esse nosso encontro, por exemplo. Pode ser um final, se a história for sobre um cara que nunca encontra ninguém interessante e, quando ele finalmente desiste de procurar, acaba se esbarrando com a Natalie Portman na fila do banheiro. Mas também pode ser o início, se for uma história sobre como a gente se conheceu, teve filhos e continuou se amando na velhice.
- Vamos considerar a primeira possibilidade.
- Então a questão passa a ser outra: o que aconteceria depois desse final?
- Nada, oras. Final é final. Não tem “depois”.
- Esse é o grande erro do cinema, Naty. Achar que no final tudo se acaba. Você nunca se pergunta o que vai acontecer com o mocinho e a mocinha do filme depois que a tela fica preta e os créditos começam a subir? Sim, porque eles não vão simplesmente desaparecer do mundo. Eles vão ter que continuar. E talvez aquele último beijo apaixonado que o pessoal do cinema presenciou vá dar lugar a uma vida comum e rotineira, onde o mocinho descubra que sofre de infecção intestinal e a mocinha resolve fazer um tratamento para varizes.
- Meu Deus, você é realmente louco.
- Não sou, juro. Eu só acho que não é porque esse texto está chegando ao fim que a nossa história também tenha que terminar. A gente vai ter que continuar, mesmo separados, mesmo que as pessoas já estejam lendo a crônica de Maria Rita sobre os sonhos.
- E onde você quer chegar com isso?
- Eu só queria saber como vai ser nossa história daqui a cinco minutos, quando ninguém mais estará lendo ela.
- Olha meu amigo, com a sua história eu sinceramente não sei. Mas a minha eu espero que já esteja acontecendo lá dentro banheiro.

9 de out. de 2007

A Promessa

- E se eu abrir o biscoito e tirar o recheio?
- Não adianta. Sempre sobra uma melequinha.
- Mas é tão pouquinho, seu padre.
- Promessa é promessa.
- O que Deus vai ganhar se eu deixar de comer chocolate?
- Você fez uma promessa. E prometer é abrir mão de uma coisa para conseguir outra.
- Mas eu não entendo por que é pecado comer chocolate?
- Não é pecado comer chocolate. Pecado é quebrar uma promessa que, no seu caso, foi não comer chocolate.
- Se em vez de chocolate, eu tivesse dito beterraba, a promessa também funcionaria?
- Você ama beterraba?
- Blargh, detesto.
- Então não adianta. É preciso que seja um sacrifício.
- Sexo!?
- Por favor senhorita, isso aqui é casa de Deus!
- Os cientistas ingleses provaram que o prazer de comer chocolate se compara ao de fazer sexo. Eu passo dois anos sem transar e pronto, vai ter sido um sacrifício do mesmo jeito.
- Você já prometeu que seria chocolate. Agora é tarde.
- Mas na hora da promessa, eu falei “chocolate” tão baixinho, padre. Mal deve ter dado pra escutar lá de cima.
- E você pediu para que santo, minha filha?
- Pedi pra santo nenhum não.
- Complicou mais ainda. O pedido foi encaminhado direto pra Deus.
- Olha sua santidade, eu vim aqui na maior religiosidade pra ver se o senhor aliviava minha dívida, mas to vendo que nossa conversa não ta evoluindo. Não teria como o senhor chamar o Bispo, o Cardeal ou alguém que tenha mais influência lá em cima?
- Todos são iguais perante Deus.
- Então por que o senhor também não tem um Papa-Móvel blindado?
- Desculpe...eu preciso me preparar pra missa. Mas antes, por favor me diga, qual foi o motivo da sua promessa?
- Vestibular. Se eu passasse pra Veterinária no primeiro semestre.
- E você passou?
- Ainda nem fiz a prova, mas já tô arrependida da promessa.
- Hahahahaha. Perdão, perdão. Hahahaha.
- Padre, o senhor está rindo? Isso não é anti-ético não?
- Filha, esqueça que eu sou um padre e escute um conselho de amigo.
- Sou toda ouvidos.
- Você está em dúvida entre duas coisas que, na minha opinião, não deviam nem ser comparadas. Afinal, o que é um chocolate diante de um concurso que vai definir toda a sua vida?
- O senhor tem razão. Ano que vem eu faço vestibular de novo.