4 de set. de 2007

A estória que eu sempre quis contar

Um deles tinha o nariz redondo e cheio de espinhas, a testa enrugada e uma barba grisalha que ia até quase a altura do peito. O outro era idêntico. À exceção da barba, onde ao contrário do seu irmão, o preto predominava sobre o branco. Era impossível estar num mesmo ambiente e não notar a presença daqueles dois gêmeos que há muito passaram dos setenta anos. A cidade inteira os conhecia pelo curioso apelido de Irmãos Evento. Não havia um único acontecimento em que eles não estivessem presentes. Festa de casamento, exposição fotográfica, vernissage, posse do novo governador. Se era um evento, lá estava a dupla. Eram pobres e nunca receberam um único convite, mas a seu favor, contavam com uma cara de pau inigualável e o mesmo terno azul surrado de sempre. Não tinha segurança ou guarda-costas com coragem suficiente para impedir a entrada dos irmãos. Muitas vezes a agenda de eventos ocupava o dia inteiro. Café da manhã para nomeação do novo presidente da Federação das Indústrias, almoço com os médicos participantes do Congresso Internacional de Otorrinolaringologia e de noite uma coisa mais leve, que tanto podia ser um baile de debutante, quanto a confraternização de uma empresa qualquer. Aos setenta e tantos anos, um dos irmãos acabou morrendo de tuberculose. Como tinham virado personagens quase folclóricos, a prefeitura organizou um grande funeral. Toda a cidade compareceu. Entre políticos, artistas, doutores e personalidades, uma ausência foi marcante: a do irmão do falecido. Justo o de barba mais preta.