17 de fev. de 2008

malditos eufemismos

- Pára Luiz Otávio, pára, pááára.
- O que foi dessa vez?
- Eu não consigo fazer amor assim. Não adianta.
- Assim como?
- Assim. Com você olhando pra toda a decoração do quarto menos pra mim.
- Eu estou fazendo isso?
- Você olha pro criado-mudo, olha pra infiltração na parede, olha até pro cesto de roupas sujas.
- Mas querida, a gente não podia parar agora. Eu já estava quase lá.
- Lá onde Luiz Otávio? Na persiana da janela?! Pra mim tem que ter olhos nos olhos, senão a coisa não acontece.
- Olha Ana, se você quer mesmo saber, eu conto. Mas depois não venha me mandar dormir no sofá ou na área de serviço.
- To esperando.
- Tem uma coisa em você que está me incomodando. É esse negócio aí em cima da sua boca. Pronto, disse.
- Meu nariz?
- Não. Entre ele e a boca.
- O meu buço? O que tem meu buço?
- Não sei dizer direito, mas parece que eu estou transando com a Frida Kahlo ou o Fidel Castro. É um lance meio brochante. É melhor a gente ir dormir.
- Ah, mas não vai mesmo. Agora você vai me explicar essa história direitinho.
- Eu tenho um bloqueio natural contra mulheres de bigode. Deve ser um trauma de infância. Só pode. Vai ver meus pais faziam ameaças do tipo “tome toda a vitamina de banana senão a mulher de bigode vem te pegar.”
- O certo é buço. Mulher tem buço, não bigode.
- Pra mim buço é só um jeito carinhoso de chamar bigode. Puro eufemismo. E o seu está cada dia maior.
- Mas por que você nunca me falou disso antes?
- É uma coisa difícil de se dizer. E além do mais, você só começou com essa mania de transar com a luz acesa há pouco tempo.
- Quer saber, pra mim tudo isso é uma desculpa. Você não tem mais atração por mim e fica querendo botar a culpa na porra de um buço.
- Não é frescura, Ana. Quer ver só: qual a comida que eu mais odeio na vida?
- Pata de caranguejo.
- Exatamente. Você nunca parou pra pensar que ela é cheia de cabelinhos?
- Meu Deus. Isso é uma doença.
- O que custa passar a gilete, me diga? Em 2 minutinhos ta resolvido.
- É só que aí cresce mais grosso.
- Qual o problema? Se a idéia é não deixar crescer nunca. Faz todo dia, oras.
- Olha, vamos dormir que é melhor. Amanhã, a gente conversa sobre isso. Me dá pelo menos um beijo de boa noite.
- Posso apagar a luz antes?

23 de jan. de 2008

um chinelo velho, um pé cansado.

Eu não consigo escrever sobre algumas coisas.
Escrever sobre coisas feias, por exemplo.
Fico com a sensação de que, por pior que seja a palavra,
Ela nunca é ruim o suficiente. Vai entender.
Falar sobre coisas bonitas é tarefa mais fácil.
Basta um “choque entre o azul e o cacho de acácias”
e pronto. Você já sabe que a dita cuja é linda.
Mas como alguém conseguiria descrever aquela mulher
que vi no supermercado na última noite de terça-feira?
A história do “choque” já seria um bom começo,
mas nesse caso seria um choque entre dois caminhões
carregados de rabanete, beterraba e fruta-pão.
Coisa triste de se ver mesmo.
Imediatamente, me veio a pergunta:
Alguém teria coragem de beijar essa mulher?
Quatro dias depois, enquanto dirigia de volta para casa,
vi um homem atravessando a rua. O sujeito era tão feio,
mas tão feio que se eu tivesse passado por cima teria feito
um enorme favor a ele e a toda a humanidade.
Foi quando pensei sozinho: taí, esse cara beijaria.
E ainda ia achar que estava fazendo o melhor negócio do mundo.
A conclusão que tirei disso tudo é um tanto óbvia:
Pra cada pessoa no mundo, existem seus correspondentes.
Coloquei “correspondentes” no plural, porque não sou muito adepto
dessa história de alma gêmea. Acredito mais na combinação de gostos.
Gente estranha gosta de gente estranha, gente alegre gosta
de gente alegre, gente bonita gosta de gente bonita.
(com exceção de gente bonita que gosta de gente feia milionária).
E é exatamente essa diversidade de gostos que move a economia,
que deixa o mundo mais intrigante, que faz o matuto lá
do interior de Pernambuco achar sua vizinha sem dentes
mais bonita que a Charlize Theron.
Eu odeio tutano de boi. Mas tenho certeza que existem por aí
milhares de pessoas que se matariam por um prato de tutano.
Então se você se acha uma pessoa sem graça, tímida
e ruim em matemática fique sabendo que milhares de seres humanos
gostam de pessoas sem graça, tímidas e ruins em matemática.
E assim ninguém nunca vai ser só nesse mundo.
Porque afinal existe gosto pra tudo.
Até mesmo praquela mulher do supermercado.