20 de nov. de 2007

a menina do assento 16D

Uma turbulênciazinha, por favor.
Uma nuvem escura e chuvosa, vai.
Qualquer coisa que faça esse avião balançar.
Que faça as luzes de emergência se acenderem,
as máscaras de oxigênio caírem automaticamente
e a menina do meu lado segurar a minha mão.
Eu sou uma dessas pessoas que nunca teve a sorte
de sentar ao lado de uma menina bonita no avião.
E olha que oportunidades já tiveram muitas.
Mas logo hoje, aconteceu. E aconteceu com força.
Sou péssimo em descrições, mas vou tentar fazer um esforço.
O sorriso era o da Cameron Diaz, a testa era a da Scarlett Johansson,
o queixo era o da Penélope Cruz e as pernas eram as da Sharapova.
Chego meu corpo um pouco mais perto.
De modo que nossas pernas se toquem.
É incrível como mesmo nessa idade,
a gente ainda tem prazeres com coisas tão insignificantes.
O problema agora é a aproximação. O diálogo inicial.
Avião é um péssimo lugar para se puxar assunto.
O que eu vou perguntar?
Se a barrinha de cereal dela tá gostosa?
Se ela viu aquele avião da TAM que caiu?
Se alguma vez ela precisou usar o saquinho de vômito?
Me inclino um pouco para frente e faço cara de menino carente,
na esperança de que ela se vire para olhar pra mim.
Vai, olha pra mim, olha pra mim, olha pra mim.
Olha pra mim, olha pra mim.
Olha pra mim, cacete.
Nada acontece.
Repentinamente ela se levanta e vai para a frente do avião.
Era a oportunidade que eu tanto esperava.
Na volta, eu juro que vou dizer alguma coisa.
Uma coisa criativa, marcante, romântica.
Que faça ela se lembrar pra sempre desse vôo.
Lá vem minha garota. Linda e maravilhosa.
Para a minha surpresa, é ela quem fala comigo:
- Licença, você se incomoda de trocar de lugar com meu namorado?
É que ele tá sentado lá na frente e a gente queria tanto ficar junto.

30 de out. de 2007

O Fim

- Você também está na fila pro banheiro?
- Infelizmente.
- Absurdo, né? Um único banheiro pra homens e mulheres. Coisas de Recife.
- Pelo menos, está andando rápido.
- Perdoe pelo mau jeito, mas a gente não se conhece?
- Acho difícil. É minha primeira vez na cidade.
- Espera, eu estou reconhecendo sim. Você é aquela...aquela atriz...puta merda, você é a Natalie Portman.
- Sou eu mesmo...mas olha, hoje eu estou num péssimo dia.
- Você não está entendendo, você é a mulher da minha vida. Não tem uma única noite em que eu não pense em você ou naquela peruca roxa que você usou em Closer. Você é fantástica, Naty. Posso te chamar assim?
- Você é louco, mas até que é divertido.
- Meu Deus, a Natalie Portman me achou divertido.
- Pena que a gente só tenha se conhecido no final da noite.
- Final? Final é apenas uma questão de ponto de vista.
- Han?!
- Esse nosso encontro, por exemplo. Pode ser um final, se a história for sobre um cara que nunca encontra ninguém interessante e, quando ele finalmente desiste de procurar, acaba se esbarrando com a Natalie Portman na fila do banheiro. Mas também pode ser o início, se for uma história sobre como a gente se conheceu, teve filhos e continuou se amando na velhice.
- Vamos considerar a primeira possibilidade.
- Então a questão passa a ser outra: o que aconteceria depois desse final?
- Nada, oras. Final é final. Não tem “depois”.
- Esse é o grande erro do cinema, Naty. Achar que no final tudo se acaba. Você nunca se pergunta o que vai acontecer com o mocinho e a mocinha do filme depois que a tela fica preta e os créditos começam a subir? Sim, porque eles não vão simplesmente desaparecer do mundo. Eles vão ter que continuar. E talvez aquele último beijo apaixonado que o pessoal do cinema presenciou vá dar lugar a uma vida comum e rotineira, onde o mocinho descubra que sofre de infecção intestinal e a mocinha resolve fazer um tratamento para varizes.
- Meu Deus, você é realmente louco.
- Não sou, juro. Eu só acho que não é porque esse texto está chegando ao fim que a nossa história também tenha que terminar. A gente vai ter que continuar, mesmo separados, mesmo que as pessoas já estejam lendo a crônica de Maria Rita sobre os sonhos.
- E onde você quer chegar com isso?
- Eu só queria saber como vai ser nossa história daqui a cinco minutos, quando ninguém mais estará lendo ela.
- Olha meu amigo, com a sua história eu sinceramente não sei. Mas a minha eu espero que já esteja acontecendo lá dentro banheiro.